Diablo III, Morte e Vício

Escrito por:

Lucas Andrade

Então um jovem de dezoito anos de idade morre de um colapso após jogar quarenta horas seguidas de Diablo III e todos nós gamers, que já conhecemos o preconceito da mídia, nos perguntamos temendo: quanto tempo levará para colocar a culpa no jogo em si?

O sensacionalismo da imprensa barata não leva nem minutos para colocar seus especialistas em frente às câmeras para acusar a indústria,


antes de acusar os pais, por exemplo, por não cuidarem dos hábitos de seus filhos. Como costumo dizer, depois da máquina de sustentar casamentos, o televisor, temos a máquina de aturar filhos, os consoles e o microcomputador, na ideia que muitos pais relapsos têm de que não interessa o que meu filho faça nos equipamentos, o importante é que ele está em casa quieto e o bem-estar do lar pode ser mantido.
Desta vez não estamos falando de uma criança ou adolescente que só consegue pensar em jogos e tenho dúzias de alunos assim em minha profissão que comprometem seus desempenhos acadêmicos, pois não conseguem pensar em nada além do mundo virtual. Estamos falando da morte de um maior de idade que reservou uma sala privada em um internet café em Taiwan e por lá ficou sem sair e sem se alimentar por quase dois dias completos. Culpa do moço e sua vida vazia? Não tenho a menor dúvida! O problema é que ele não é o único responsável!

 

Diablo III tem uma ideologia viciante de conquistar itens.

 

O modelo de jogos para o qual a indústria está se encaminhando privilegia o comportamento vicioso e isto está cada vez mais agressivo. As minitransações ingame e o popular modo freemium, um free to play que é grátis para começar a jogar, mas pago para desbloquear itens ou fases, necessita que o consumidor esteja constantemente jogando. Tenho dezenas de jogos que adquiri e que mal joguei, um ou dois nem cheguei a jogar de todo! Aos olhos da indústria de hoje, não sou um bom consumidor, pois parei de pagar pelo produto no momento que o adquiri. Se no modelo free não pago para começar a jogar, em algum momento preciso pagar durante o jogo por alguma coisa! O fato é que milhões não gastam nem um centavo limitando-se à experiência gratuita. Então como as empresas lucram com essa estratégia? Simplesmente porque sempre existe uma minoria que consome acima da média, gasta mais do que devia comprando itens e abre mão de suas horas diárias jogando. E é neste grupo pequeno, que gira em torno de um por cento, segundo algumas desenvolvedoras, que estão os que não sabem distinguir o certo do errado ou avaliar quando uma atividade lhe é prejudicial. É deste um por cento que vem um quarto do lucro, segundo a Zynga, a empresa que domina esta fatia do mercado! É deste um por cento que o moço falecido faz parte!

 

Farmville da Zynga: a minoria sustenta a maioria.

 

E é para este público que a própria indústria poderia se proteger, se não por altruísmo, pelo menos por questões jurídicas. Brendan Sinclair, editor senior do site Gamespot, levantou a questão em um brilhante texto recente: se o próprio Diablo III exige conexão constante para jogar, por que não limitar o acesso a um certo número de horas pela própria empresa, sejam diárias ou semanais? Se todos os dados e hábitos do jogador são monitorados, por que não instrui-lo, avisá-lo ou bloquá-lo temporariamente?

Já ouço o coro dos hardcores dizendo que já ficaram dezenas de horas jogando e nada de ruim aconteceu. Alguém se orgulha disso? Este argumento pode fazer sucesso em uma roda pré-adolescente, mas além desta idade apenas mostra que a pessoa não tem mais nada para fazer. Se alguém faz isso esporadicamente, mas segue sua vida pessoal e profissional normalmente, felizmente, não faz parte do um por cento! É o mesmo caso do porre ocasional! Se você já encheu a cara vez ou outra, tudo bem; se faz com frequência, algo está errado.

Falando em porre, poderiam argumentar que se vou a um bar posso consumir o quanto quiser. Verdade, mas mesmo assim no caso extremo não é incomum um cliente ser retirado do ambiente ou não ser mais atendido quando o próprio estabelecimento percebe que os infortúnios podem ser maiores que o lucro. E é neste ponto que falei do aspecto jurídico. Se a empresa toma atitudes de aviso e precaução, pode se livrar de muitas dores de cabeça no futuro.

De volta ao caso do rapaz morto, muita gente tem culpa. A parcela maior deve ser dele, se ele não tem ninguém para sentir sua falta, seja família, amigos, colegas de trabalho ou estudo, não sei, mas se tiver, cada um desses também tem. O internet café que deixa um cliente por quarenta horas sem sequer verificar se ele quer alguma coisa leva uma parte e a indústria, com seu modelo de cativar o vício e ciente de que trabalha com um público propenso a isso, não pode se esquivar totalmente.

 

24 de julho de 2012 Escrito por: Lucas Andrade